domingo, 13 de março de 2011

O Mercado, o Entusiasmo e o RPG

Aos que já estão na caminhada há algum tempo não é novidade: a segunda metade da década de 2000 viu se desenvolver uma multiplicação de grupos e indivíduos dedicados à tradução de títulos de RPG voltados, principalmente, ao universo do Velho Mundo das Trevas. Rogue Council, Dictum Mortuum, Arcadia Team, Movimento Anarquista, Nação Garou entre outros figuravam entre os mais profícuos e ativos, publicando em média de 3 a 6 livros por ano.

Nos últimos anos, porém, o que se tem visto é uma dispersão cada vez maior intra e entre grupos, a ponto de alguns deles terem desaparecido (ou sido abduzidos), outros entregues à inatividade completa, e outros, ainda, lutando com um ou dois títulos anuais para não cair no esquecimento (se entregando ao Oblívio). O que conseguimos perceber desse movimento? O que ocasionou a iniciativa pioneira destes grupos? Por que estão eles fenecendo entre seus pares?


Para responder essas perguntas recorremos a um pouco de história, um pouco de versões e um pouco de experiência disso tudo.


Antes de tudo, “O que ocasionou a iniciativa pioneira destes grupos?”. Os títulos referentes ao Velho Mundo das Trevas atraíram muito a atenção dos RPGistas, tanto que se formou como que uma guerra fria entre editoras. De um lado os clássicos, apoiadores de um modo tradicional de RPG, capitaneados por Dungeons & Dragons; de outro a tendência de World of Darkness e seus jogadores “maduros” que tangenciavam um modo quase artístico de se jogar, muito mais voltados à dramatização e ao horror pessoal que os títulos fomentavam. Evidentemente isto é senso comum entre os jogadores, e o tema já foi esgotado em muitas mídias (basta conferir edições da revista Dragão Brasil da década de 1990 ou os blogs que abundam na internet a respeito dos sistemas), mas é importante compreender isso para perceber a indução a que fomos submetidos, nós RPGistas, na virada do século.


A abundância de títulos nacionais na segunda metade da década de 1990 é marca de um movimento que se percebe espiralado atualmente. Alguns desses títulos eram Arkanum, Invasão, Trevas, Inimigo Natural, Templários (todos com o Sistema Daemon), Tagmar, Era do Caos, Defensores de Tóquio, etc. A editora que se fez perceber naquela época na seara RPGista era detentora dos direitos de publicação tanto de um quanto outro polo da guerra. Tanto o clássico quanto a tendência foram publicados pela mesma mão, ignorando completamente o antagonismo que poderia haver entre um lado e outro. O resultado foi, como não poderia deixar de ser, uma enxurrada de novos e velhos jogadores aderindo ao que se ofertava a partir de então: jogos globais, em consonância com o que se jogava “lá fora”, produtos de qualidade e de renome.

A ofuscação a que foram submetidas as editoras e os desenvolvedores de títulos nacionais foi de certo modo algo que não se pode negar. D&D e WoD eram bons demais para se negar e, de fato, o investimento que se fazia lá fora nessa competição era tamanho que não havia como ser diferente. Os RPGistas que criavam seus títulos no Brasil à época o faziam num vácuo formado pela ausência de publicações desse calibre, mas faziam de uma forma incipiente e, apesar de bastante acessíveis (a revista Dragão Brasil investiu bastante na publicação de seus títulos; acompanhei o lançamento de D&T, AD&T e 3D&T) não conseguiam fazer frente ao mármore verde de VaM.

A transposição da disputa por mercados entre WotC e WW no Brasil criou, na concepção de alguns “especialistas” no assunto, um paradoxo para a editora brasileira. Acompanhar o ritmo que a disputa no exterior havia alcançado ou continuar com a publicação das séries dadas por encerradas no exterior? Obviamente a editora, atrasada em seu cronograma em atender gregos e troianos, enroscou-se em seus tentáculos de polvo e não conseguiu fazer nem uma coisa nem outra da maneira que devia. O lançamento de 3D&D, e depois sua versão 3.5 e o NWoD causou um colapso na cabeça dos RPGistas que haviam se habituado ao clássico e à tendência. No afã de ser atual, a editora acabou criando um vácuo enorme entre ela e os jogadores que agora jaziam órfãos de seus títulos preferidos.


As editoras que publicavam títulos nacionais continuavam seu caminho singelo, dando um passo após o outro, quase que na clandestinidade, enquanto que a editora se empenhava em cronogramas que não conseguia cumprir e anunciava títulos que nunca colocaria a disposição do público. Resultado: RPGistas insatisfeitos com a situação deficitária em que se encontravam, de um lado alijados de sequências em títulos a que estavam se empenhando, de outro não atendidos por títulos nacionais que haviam sido abafados outrora pelos grandes polos da guerra fria RPGista, decidiram simplesmente continuar andando com suas próprias pernas. Compraram os livros em inglês, fizeram uso das redes sociais que os colocavam em proximidade, e começaram a traduzi-los, diagramá-los e publicá-los na internet, gratuitamente, trabalho entusiasta, amador e sem fins lucrativos.


Este segundo vácuo fomentou o que gostamos de enxergar como o “Faça Você Mesmo” preconizado em fins da década de 1970 pelo movimento punk. Não precisávamos esperar pelo tão aguardado lançamento de um título em português. Apesar de podermos ler em inglês, muitos de nossos colegas não podiam, e o trabalho de tradução se apresentava como um veículo de acessibilidade para jogadores, novos e velhos. Simplesmente resolvemos fazer...


A insurreição dos órfãos do Velho Mundo das Trevas deu origem a esses grupos de tradução referidos acima, principiando obviamente pelo pioneiríssimo trabalho de Professional Free Publications com Aparição: o Limbo. Em seguida vieram tantos outros, a ponto de termos mais trabalhos amadores desse tipo do que publicados pela editora detentora dos direitos autorais para os títulos da série.


Agora, “Por que estão eles fenecendo entre seus pares?”. Blogs sobre RPG existem às pampas na internet, sobre os mais variados títulos. Muitos deles são dedicados à publicação de materiais originais para sistemas globais. Outros são voltados para a alimentação de sistemas nacionais. Outros, ainda, lidam com diversas formas de expressão RPGística. Entretanto, nos últimos dois anos o que se tem notado é um arrefecimento das atividades dos grupos de tradução. Grupos grandes como o MA estão parados desde julho de 2010; grupos muito organizados como o NG desapareceram, muito embora continuem operando em outra frequência. Grupos tradicionais como o RG estão à beira de perder a cabeça. O que está havendo com estes jovens velhos punks que outrora lutavam para manter um ideal? Até mesmo indivíduos empreendedores, como Matusalém Capadócio, têm estado em stand by nos últimos anos.


Definitivamente, a resposta não sabemos, mas conseguimos entrever uma outra evolução que também identificamos como parte de um movimento em espiral: o retorno dos títulos nacionais. Então, “O que conseguimos perceber desse movimento?”


Temos acompanhado o que se anuncia como um retorno à publicação RPGista nacional, com editoras que lançam mão de táticas comerciais inovadoras, voltam-se a vieses clássicos do RPG e se envolvem em ideias dinâmicas para seus títulos. Esta movimentação evidentemente transpira energia e criatividade, uma aposta em um mercado que mais uma vez enfrenta um vácuo, um abismo aberto entre os produtores e os consumidores dessa literatura. Títulos como Tagmar II, Era Perdida, Old Dragon, a revigorada linha de Tormenta, Mighty Blade entre outros figuram no cenário nacional (confira em artigo do blog Dragão Banguela). São muito bem-vindas estas iniciativas, e elas são resultado da mudança dos tempos, não apenas investidas aleatórias de sujeitos aventureiros. Cabe ao bom RPGista alimentar esta nova planta que começa a brotar agora que conseguiu alcançar um pouco de sol depois que conseguiu se esquivar da sombra oscilante da grande árvore que está incerta sobre quais frutos deve brotar.

2 comentários:

  1. totalmente coberto de razão, é uma perda muito grande tantos grupos se fechando, ainda mais pelo trabalho que era feito e ainda é feito por alguns

    eu sou de Belo Horizonte e cada dia mais eu vejo o RPG morrer por aqui, falo isso porque eu fazia parte de um dos maiores clubes de fans de anime e RPG aqui de BH, e nos eventos de 99 ate meados de 2003 os eventos que a gente organizava tinha empre suas salas de RPG com mesas disputadas a unhas e dentes por uma vaga e agora as salas se encontram sempre vazias, os mestres estão la mas os jogadores não , daqui de Belo Horizonte que ainda sobrevive é o 7º Armada com mesas de RPG ainda frequentadas e tal mas mesmo assim somos poucos é uma pena. link da comunidade BH RPG e do site do 7º Armada caso tenham interesse
    comunidade BH RPG http://www.orkut.com.br/Main#Community?rl=cpp&cmm=54960
    site 7ºArmada
    https://sites.google.com/site/setimaarmada/

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    1. Concordo ... realmente é triste ver o rpg de mesa morrendo mas ... entenda a galera dessa época de ouro ( eu comecei antes 95) casou ,se formou , trabalha ou tem empresas ... meu grupo original praticamente sumiu ...some o advento dos jogos ...games online .. entre outros fatores ...

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